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Personagens Gradual_RenatoCarlos-17

Eu cresci de forma muito intensa, criando máscaras

O diagnóstico de autismo tardio é um assunto que tem sido tratado com mais evidência nos últimos tempos. A Gradual conversou com o artista multilinguagem, diretor-geral e idealizador do Canoa de Teatro, Rafael da Mata.

O jovem cativante, de 33 anos, compartilhou sua história e os desafios em se adaptar e aprender a viver dentro do espectro no nível 1 de suporte, o chamado autismo leve. Nas palavras dele: “Leve para quem?”.

CONTE UM POUCO SOBRE A SUA INFÂNCIA. ONDE VOCÊ NASCEU?

Eu nasci na Índia, mas fui registrado na embaixada do Brasil. Sou apátrida, brasileiro e indiano por exceção. Minha mãe era missionária e professora e vivi os dois primeiros anos da minha vida no Uruguai, onde aprendi a falar espanhol.

Tinha época em que eu falava mais espanhol do que português. Quando fui para a faculdade, teve uma pessoa que me perguntou se eu era brasileiro. Eu ficava, a todo momento, traduzindo as coisas na cabeça. Isso faz muito sentido para mim agora. Na época, eu ainda não sabia que era autista com altas habilidades.

Percebi que não me conectava com coisas padronizadas e me identificava muito com os meus amigos argentinos e chilenos, que eu via uma vez por ano quando iam visitar Brasília, onde eu cresci. Eu acabava me identificando com uma coisa que as pessoas chamam de “terceira cultura” e tinha facilidade de me comunicar com pessoas que eu não sabia que idioma falavam, por causa da questão intuitiva.

QUAL É A INFLUÊNCIA QUE SEU AVÔ FRANCO TEVE NA SUA VIDA E NA SUA FORMAÇÃO PESSOAL E PROFISSIONAL?

Meu pai saiu de casa muito cedo. Na ausência dele, tive meu avô como referência. Ele era pastor e muito acolhedor. Era autodidata, criativo e, na minha percepção, um artista diverso. Foi ele quem me ensinou a tocar violão e a ter interesse pela bíblia de um jeito histórico. Passei a me interessar muito pelo ser humano, a entender a época e a cultura.

Meu avô era muito intuitivo e me ensinou dessa forma. Eu transformei isso em uma metodologia de ensino, no jeito que eu dou aula hoje no Canoa de Teatro. Cresci brincando de teatro, música e dança, sem saber, bem em uma lógica de roda e improvisação.

QUANDO CRIANÇA, QUAIS ERAM OS TRAÇOS DE AUTISMO MAIS EVIDENTES?

Eu sou muito grato por ter escutado, a vida toda, minha mãe ensinar a me adaptar. O lado ruim é que, apesar de ela ter muitas técnicas modernas da área da educação para a época, eu ouvi muito assim: “Ninguém precisa perceber suas manias”.

Cresci de forma muito intensa, criando máscaras. Faz 2 anos que eu vi um vídeo meu de quando eu tinha 4 anos e eu parecia um robozinho. Desde muito cedo, usei as artes como estratégia e hiperfoco, para conseguir me virar melhor socialmente, me organizar e entender melhor os outros.

Olhando para trás, eu percebo como isso deu um trabalho danado. Não foi assim, eu não nasci com tudo pronto, um “geniozinho”, essa ideia caricata que se tem. Muito pelo contrário, eu acho que o meu sofrimento com as expertises da minha família me geraram um hiperfoco nessas áreas.

Então, a vida inteira era como se eu estivesse estudando para ser social. Apesar de isso ter se transformado em ferramentas incríveis, eu amo quando posso descansar de ser padrão. E aí, só meus amigos mais íntimos é que, hoje em dia, conhecem o Rafael de verdade.

O QUE LEVOU VOCÊ A PROCURAR UMA AVALIAÇÃO PROFISSIONAL E CHEGAR AO DIAGNÓSTICO DE AUTISMO?

Eu vim para São Paulo há 10 anos, com um diagnóstico provisório de TDAH, que era inconclusivo por eu ser considerado extrovertido. Tenho um alto índice de inteligência e apresentava um comportamento de irritabilidade muito alto.

Eu me sentia um “Chico Bento” em São Paulo, principalmente pela velocidade da cidade e pelo excesso de poluição e informações sonora, olfativa e visual. Não percebi como isso estava me demandando um trabalho constante.

Há 5 anos, isso ficou muito evidente com a pandemia e o isolamento social e comecei a ter dores crônicas e muita dificuldade com ambientes tradicionais de trabalho e estudo. Cheguei a um pico de estresse e fui diagnosticado com fibromialgia.

Mas fiquei encucado e resolvi ser intuitivo e migrar para um plano de saúde mais holístico. Aí foi um caminho que, aos poucos, me levou a fazer uma neuroavaliação. Porém, eu tive que pedir para os médicos, eu tive que acreditar. Por causa das altas habilidades, mascarei o autismo e desenvolvi muitas ferramentas, mas continuava sendo um sofrimento, algo cansativo.

EM ALGUM MOMENTO NA SUA VIDA ADULTA, ALGUÉM NOTOU ALGO DIFERENTE NO SEU COMPORTAMENTO E SUGERIU QUE VOCÊ PUDESSE ESTAR DENTRO DO ESPECTRO?

Quando eu fui estudar e trabalhar com teatro musical, alguns colegas, diretores e professores começaram a falar: “Rafa, você é diferente. Você tem facilidade com criatividade, mas não consegue fazer uma cena de teatro de forma realista, natural. Você é muito caricato”.

A minha diretora na época me convidou para ser o protagonista do Flicts, que é um livro do Ziraldo. Era uma cor que não se encaixava em nada, que não era cor de nada e ficava tentando se adaptar. Hoje, olhando para esse livro, eu acredito que seja um livro sobre autismo.

Essa diretora ficou me chamando de Flicts depois do ocorrido, e isso ficou na minha cabeça. Ela ficou apaixonada pela minha intensidade e pela minha criatividade, mas sabia que eu tinha muita dificuldade com memorização, com fazer as coisas de uma forma normal. Então, resolveu me adotar.

Acho que o ambiente do teatro musical me gerou muito estresse, mas, ao mesmo tempo, algumas pessoas foram carinhosas e cuidadosas comigo. Eu tinha um amigo que começou a me chamar de autista. E eu me sentia amado, porque ele falava isso com muito afeto.

DEPOIS DO DIAGNÓSTICO, O QUE MUDOU?

Em alguns momentos, eu fiz terapia, fui ao psiquiatra, usei alguns suplementos. Hoje o que mais me ajuda é regular bem a alimentação e o sono.

Aprendi a não ser tão rígido a ponto de me boicotar e a ter mais paciência com as mudanças que eu mesmo provoco na minha rotina. Estabeleço princípios subjetivos e tenho em mente que eu vou vencer só uma guerra por dia.

Me cerco de pessoas que me encorajam e não só me cobram. Mesmo que as pessoas ao meu redor tenham dificuldades de conviver comigo pelas minhas diferenças, preciso confiar no amor delas e ajudá-las a me ajudar.

HOJE EM DIA, QUEM É A SUA MAIOR REDE DE APOIO?

Minha esposa, Laís, é, com certeza, a minha principal rede de apoio, a maior guerreira, porque topou esse desafio antes de saber. A gente se casou um mês antes do isolamento, e eu fiquei desempregado. Ela é a pessoa que acompanhou todas as minhas fases e se tornou uma especialista nesse assunto de cuidar de alguém autista.

Alguns colegas de trabalho e de igreja que também estão dentro do espectro ou tem algum outro fenótipo, se debruçam intencionalmente a cuidar mais de “figurinhas premiadas”, como eu.

FALE UM POUCO SOBRE O CANOA DE TEATRO?

O Canoa de Teatro é um coletivo-escola de artistas multilinguagens cujo princípio, meio e fim são a saúde integral.

Eu fui percebendo que as pessoas que eu ia escolhendo para trabalhar comigo, as estratégias de marketing e as metodologias de ensino eram todas voltadas para um público atípico.

No Canoa, a gente procura não só ser um lugar acolhedor e de inspiração, mas também um lugar para apoiar as pessoas a entrar no mercado de trabalho, permitindo que elas se desenvolvam emocionalmente para conseguir encarar os desafios de ser um artista brasileiro atípico.

O QUE VOCÊ DIRIA PARA UM ADULTO QUE ACABOU DE TER O DIAGNÓSTICO DE AUTISMO?

Eu diria para essa pessoa se divertir e respirar. Isso é muito difícil para quem está começando a confiar. Eu gosto muito do anime One piece e da série The chosen, porque me inspiraram muito a ser mais intuitivo e confiar em uma rede de apoio. Não é fácil ter que se inspirar sozinho, se encorajar. Você precisa dos outros.

Então, eu diria para a pessoa buscar referências não só teóricas, mas também artísticas. Indico assistir a filmes e ler livros que inspirem e falem sobre um projeto de sociedade focado em empatia. Quer conhecer mais o Rafael da Mata e seu trabalho incrível? Fale com ele pelas redes sociais:  @damatael ou @canoadeteatro

O contato pode ser também pelo e-maill: canoadeteatro@gmail.com ou pelo WhatsApp: 55 11 94467-5899.

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